Uma tolice

Marcos Abelardo em primeiro lugar eu queria dizer que compreendo muito que não me queiras ver nem saber mais de mim, conforme me explicou esta Pessoa por quem te mando esta carta. Mesmo assim tomo a liberdade de te escrever esperando que me perdoes por isso já que quanto ao resto sei que nunca me poderás perdoar.
Sei que me tornei indigna de ti por isso não é para pedir amor ou compreensão que te escrevo e acredita que é pela última vez. Já estás a ser tão bom e humano aliás como sempre foste em não me entregares aos meus Perseguidores. Mas ainda espero do teu bom coração mais uma caridade que é uma vez por mês deixares-me ver as crianças num lugar seguro que indicarei pela Pessoa que é portadora deste pedido. Sei que não fui para elas uma boa Mãe tendo feito o que fiz sem pensar que as ia deixar nesta situação terrível. Sei também que não sou bom exemplo nem boa companhia mas uma Mãe não pode viver para sempre longe dos filhos e Deus que está no Céu não consentiria tamanho castigo nem mesmo para mim que tanto errei. Este é um dos motivos para te escrever apesar de não quereres nunca mais saber de mim o que compreendo muito.
Mas há outro motivo que eu a ninguém revelei nem mesmo a esta Pessoa que é de tanta confiança e por quem mando esta carta. Porque apesar de tudo o que aconteceu há uma coisa que não mudou nem mudará nunca e que é o meu Amor por ti. Sei que nada devo esperar em troca deste Amor nem mesmo compaixão e nem que acredites nestas minhas palavras que no entanto são tão verdadeiras quanto a Dor que sinto e quanto ser eu a pior das mulheres. Mesmo assim escrevo porque quero que saibas a verdadeira razão de eu ter feito o que fiz e que não é a que imaginas aliás com todo o direito.
Porque eu menti é verdade quando te apresentei o casal que sabes dizendo que me tinha tornado amiga dele isto é daquele homem no meu trabalho e que jamais o tinha visto antes disso. Isto eu fiz para que não tivesses ciúmes embora não houvesse nenhuma razão para teres ciúmes já que entre mim e aquele homem não havia nada e é nisto que não espero que acredites embora seja a pura Verdade.
Não havia mesmo nada entre mim e aquele homem a não ser o passado que ocultei e com isso menti. Foi eu sei uma tolice porque depois de tudo o que aconteceu foste-te informar com a minha família e soubeste que eu tinha mentido e por isso na certa pensas que eu menti ainda mais do que menti. Porque é verdade que durante sete anos vivi com aquele homem que foi o meu grande amor até te ter conhecido a ti que és a coisa mais preciosa que tenho na minha Alma e que por causa deste desatino acabei por perder também.
É verdade que um dia ele me abandonou e que então sofri muito sofri como nunca tinha pensado que se pudesse sofrer embora hoje saiba que se pode sofrer muito mais porque é assim que me sinto. É verdade que amava aquele homem e é verdade que fiquei arrasada quando pensei que ele me estava a abandonar por outra foi o que eu pensei só podia ser por outra e tinha de ser uma paixão ainda maior do que a que ele dizia ter por mim o que até então eu achava impossível. E fiquei tão deprimida por pensar que ele me tinha mentido todo o tempo ou então que tudo aquilo que era tão grande e forte tinha passado ou o que é pior que outra mulher lhe estava a dar mais Amor do que eu era capaz e isso eu não podia admitir.
Tudo isto aconteceu embora eu nada te tenha dito antes por pensar que podias ter ciúmes e sofrer e eu nunca desejei que sofresses é mais uma coisa em que não vais acreditar mas é a pura Verdade. Porque é verdade também que depois de todo esse sofrimento que durou um ano dois anos já nem sei eu comecei a esquecer devagarinho é sempre assim a gente acaba por esquecer mesmo o Amor mesmo a dor mais forte a gente esquece e isso é tão triste mas foi o que aconteceu. E eu já não sofria mais quando te conheci e eras o que faltava para eu ter de novo alegria e usar todo aquele Amor que tinha ficado à espera dentro do meu coração e que então foi todo para ti e depois para as crianças de forma que não sobrava Amor para mais ninguém embora eu não espere que acredites nas minhas palavras.
Por isso quando aquele homem por acaso reapareceu na minha vida e numa coisa eu não menti não me estou a desculpar mas foi mesmo no trabalho que ele me apareceu foi tão pouco o que senti ao vê-lo que era como se nunca tivesse estado com ele por isso não vi nenhum problema em que o conhecesses principalmente depois que ele me mostrou os seus filhos que dizia amar muito e a sua mulher que parecia uma criatura tão simpática.
A partir daí é verdade que tens todos os motivos para imaginar o que quiseres sobre o que aconteceu até aquele dia terrível em que eu fiz uma tolice. Podes imaginar que o Amor que um dia existiu entre mim e aquele homem se reanimou e que eu te traí meu Deus só de escrever uma coisa destas a mão já treme como podes ver pela minha letra porque trair quem eu mais amo e respeito e idolatro é uma ideia que me enche de Vergonha. Podes imaginar que nas tardes que eu tinha livres no trabalho onde de vez em quando ele continuava a aparecer ou mesmo em nossa casa o que seria o pior dos sacrilégios pois ele se tinha tornado teu amigo e podia entrar sempre que quisesse ou mesmo em casa dele onde eu ia às vezes levar as crianças para brincarem enfim em qualquer destes lugares eu o poderia ter encontrado e ter saído com ele quem sabe ter usado a nossa própria cama ou mesmo meu Deus como é que poderias pensar uma coisa destas a cama das crianças ou a cama dum motel onde nunca me quiseste levar e eu te percebo perfeitamente porque te sentirias a fazer uma coisa disfarçada e pecadora. Podes imaginar tudo isto que é uma coisa horrível mas eu sei que mereço tudo o que pensares de mau sobre mim. Mesmo assim vou-te contar a única coisa que de facto aconteceu embora não espere como já te disse que acredites.
Foi realmente numa tarde em que eu estava no trabalho e não havia nada para fazer que ele apareceu e ao vê-lo fiquei tão pouco comovida quanto sempre ficava quer-se dizer senti apenas aquele prazer normal de quando se encontra um amigo. Ele cumprimentou-me como sempre fazia e depois de resolver os seus assuntos convidou-me para um café na esquina e eu aceitei sem nenhum medo porque não podia imaginar nenhuma maldade era apenas um amigo que me chamava para um café. É verdade que no caminho reparei que isso nunca tinha acontecido antes eu nunca tinha estado sozinha com aquele homem desde que ele reapareceu sempre nos encontrávamos no trabalho no meio de toda a gente ou então em nossa casa contigo e com as crianças ou em casa dele com a mulher dele mas isso também não me deu nenhum medo porque eu não sentia nada por ele era apenas um amigo que me chamava para um café.
E foi o que de facto aconteceu bebemos o café e ele como sempre perguntou por ti e pelas crianças e eu perguntei pela mulher dele e pelas crianças e ele não sei por quê não sei se tinha alguma intenção ou se era só para ter um assunto mas de repente saiu-se com aquela conversa de que tu eras um homem de sorte e que ele sabia do que estava a falar porque afinal tantos anos tinha vivido comigo e eu não sabia por que ele estava a dizer tudo aquilo mas ele continuou e disse que na verdade me tinha amado muito e que talvez ainda me amasse muito quando me abandonou e que nessa época não havia ninguém muito importante apenas um caso depois outro depois quis ver como era o mundo e no final tinha sentido muito a minha falta porque o mundo desculpa Marcos Abelardo usar esta palavra que eu sei que não gostas mas foi a palavra que ele usou ele disse que o mundo era uma merda. No fim o que ele me disse foi que não me abandonou por nada de muito importante ele também ficou um bocado perdido porque viu que me largou só pela merda do mundo e por um caso e outro caso e afinal largou-me por uma tolice.
E foi quando ele disse isso que na minha cabeça tudo começou. Porque Marcos Abelardo é nesta parte que precisas perceber embora eu não espere que percebas porque sei que não mereço mas eu olhei para aquele homem e disse para mim mesma é verdade não sinto nada por ele já não o acho bonito já não acho a sua voz aquela coisa quente que me fazia desejar a boca e o corpo todo dele desculpa Marcos Abelardo mas nesse momento eu olhei o corpo todo dele para ver se ainda o desejava mas logo vi que já não era o mesmo corpo ou então os meus olhos é que tinham mudado porque ali não estava nada que se pudesse querer apenas o corpo dum homem igual a tantos outros braço cabeludo ombro barriga e debaixo do queixo uma papada a começar tudo tão diferente do teu corpo Marcos Abelardo no qual penso todo os dias todas as noites embora não o mereça já sei.
Olhei para ele e não senti nada mas ao mesmo tempo Marcos Abelardo lá do fundo onde estava tudo isso enterrado começou a brotar não Amor porque Amor só havia para ti mas um rancor muito grande e a lembrança de tantos dias vazios tantas noites que não terminavam e tanta lágrima que ninguém viu porque não estava lá ninguém para ver nem irmã nem irmão nem pai nem mãe nem amiga e mesmo que houvesse quem é que ia perceber uma mulher a sofrer assim por causa dum homem uma porcaria dum homem igual aos outros como agora eu bem podia ver. E apesar disso tinha sofrido como ninguém imagina que se possa sofrer tinha provado nem mesmo o pão que o diabo amassou mas uma Fome uma grande Fome do cheiro da voz dos braços dele e ao mesmo tempo eu é que sentia pena porque se ele decidira ir embora é porque eu não era boa o bastante e agora devia estar sozinho ou então com alguma mulher que não o amava como eu porque como eu ninguém o podia amar. E isso não foi uma semana nem um mês Marcos Abelardo mas um ano dois anos faz as contas faz a conta das horas e cada uma delas com o seu espinho.
Foi isso o que nessa tarde de repente foi surgindo dentro de mim Marcos Abelardo não Amor mas aquela grande Raiva não sei por causa de qual palavra que ele disse talvez quando disse que sabia que eu tinha sofrido tanto e que me tinha abandonado por uma tolice. Por isso Marcos Abelardo pensa de mim o que quiseres que eu fui uma péssima Esposa que não pensei nos nossos Filhos e que sou uma criatura vil tudo isso podes pensar porque é verdade mas não tenhas ciúmes. Não foi por Amor foi só por Raiva que no dia seguinte eu matei aquele homem. Peço que transmitas à Pessoa que te entregou esta carta a resposta sobre a visita das crianças pela qual desde já te sou muitíssimo grata. E acredita que embora não faça a mínima diferença para ti eu compreendo muito como já te disse as razões de nesta hora da minha desgraça me estares a abandonar para sempre porque fui eu que te dei os motivos e sei que não são uma tolice. Por isso te amarei eternamente e nunca vais morrer dentro do meu Coração. Tua Esposa muito amante Isolda.

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